Uma disfunção motora, perda da força muscular, da coordenação ou equilíbrio, alterações visuais e de sensibilidade. Sintomas que, se não afetarem o cotidiano, costumam ser associados ao estresse e problemas do dia a dia e passam, na maioria da vezes, despercebidos. No entanto, esses sintomas podem ser algo mais grave e se tratar de uma doença crônica, autoimune e sem cura, a Esclerose Múltipla (EM).
No mundo, de acordo com a Federação Internacional de Esclerose Múltipla, existem cerca 2,5 milhões de pessoas com a doença, sendo a maioria jovens, em especial mulheres, na faixa etária de 20 a 40 anos. No Brasil, em torno de 35 mil pessoas têm EM, sendo que em Goiás, aproximadamente, 600 pacientes diagnosticados estão em tratamento, conforme a Associação Goiana de Esclerose Múltipla (Agem). Para conscientizar as pessoas sobre a doença, é instituído como o Dia Mundial da Esclerose Múltipla a última quarta-feira do mês de maio, este ano celebrado no dia 31 de maio.
A EM é uma doença neurológica inflamatória crônica, alguns estudos consideram como degenerativa, na qual células do sistema imunológico do paciente passam a atacar a bainha de mielina (que é o revestimento dos neurônios), causando lesões no cérebro e também na medula. A causa da doença permanece desconhecida e ainda não há cura, mas existem tratamentos disponíveis que podem ajudar em algumas formas de EM. A grande maioria dos casos de esclerose múltipla é diagnosticado entre os 25 e os 31 anos de idade, com duas vezes mais casos diagnosticados na população feminina.
Conforme o neurologista e presidente do Comitê Brasileiro de Tratamento e Pesquisa em Esclerose Múltipla e Doenças Neuroimunológicas (BCTRIMS), Jefferson Becker, os sinais da enfermidade se manifestam de acordo com a área do cérebro que foi afetada. “A esclerose múltipla é uma doença muito particular e, por isso, a evolução da doença acontece de forma individualizada, variando de paciente para paciente”, destaca.
Diagnóstico e Tratamento
Em Goiás, o Hospital Geral de Goiânia (HGG) é uma das unidades de saúde pública do estado referência no tratamento da EM. Conforme o neurologista e responsável pelo Ambulatório de Doenças Desmielinizantes do HGG , Fernando Elias Borges, para que o paciente possa realizar o tratamento na unidade é preciso que ele seja, primeiramente, avaliado por um neurologista. “Na primeira consulta no ambulatório do HGG é feita a triagem, a partir disso, se for identificado que o paciente tenha o perfil ou a possibilidade de diagnóstico de doenças raras e inflamatórias, ele é encaminhado para esse ambulatório, onde é avaliado de forma mais detalhada”, explica Fernando Elias.
Os principais sintomas da esclerose múltipla incluem visão desfocada, fraqueza nas pernas, formigamento, desequilíbrio e fadiga. É importante ressaltar que, para algumas pessoas, a esclerose múltipla é caracterizada por períodos de recaída e remissão (remitente-recorrente),o que significa que melhora durante algum tempo, mas de vez em quando pode se agravar, ou seja, ocorrer surtos. Já outros portadores da doença tem um padrão progressivo e que se agrava ainda mais com o tempo. Muitas pessoas se sentem bem e parecem saudáveis durante vários anos depois do diagnóstico, enquanto outras ficam gravemente debilitadas muito rapidamente.
Conforme Fernando Elias, para se ter um diagnóstico diferencial da EM é preciso que o neurologista se baseie em avaliação clínica, exames laboratoriais e de imagem. “Preciso de uma ressonância magnética que possa fornecer imagens confiáveis e o apoio diagnóstico. Tudo isso é possível realizar no Hospital Geral de Goiânia, não com tanta facilidade porque o setor público tem uma dificuldade de financiamento de disponibilizar alguns exames, mas a maioria dos exames para definir o diagnóstico nós conseguimos fazer todos pela rede pública através ambulatório do HGG”, explica.
Os medicamentos preconizados pelo Ministério da Saúde para o tratamento da EM são bastante caros, entre R$ 5 mil a R$ 20 mil a depender do remédio, mas são fornecidos pela rede pública. Em Goiás, a medicação é dispensada por meio da Central de Medicamentos de Alto Custo (CMAC) Juarez Barbosa, que fica no setor Central, em Goiânia. “O paciente, a partir do momento que ele é diagnosticado e definida sua linha de tratamento, consegue realizar todo o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sem custo para o paciente ou para a família”, reforça o neurologista.
Evolução
Em relação à evolução da doença, Fernando Elias destaca que a desmielinização é produzida por um processo inflamatório que evolui para lesão irreversível nos axônios dos neurônios, ou seja, os que tiveram desmielinização não voltam mais. “O diagnóstico precoce proporciona uma melhor abordagem terapêutica medicamentosa e multiprofissional”, destaca.
Fernando Elias ressalta que a esclerose múltipla é uma doença que, no Brasil, tem uma prevalência baixa se comparada a países da América do Norte e Europa, “onde há uma prevalência maior e há também uma pesquisa muito intensa”. O neurologista destaca que cientistas desenvolvem medicamentos potencialmente novos para controle da doença, mas essas drogas, antes de serem disponibilizadas para os pacientes brasileiros, são avaliadas pelo Ministério da Saúde, por uma comissão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que define se esse medicamento pode ou não ser incorporado ao tratamento do SUS, para então começar a ser dispensado pelo serviço público.
“Hoje, nós temos cinco tipos diferentes de medicamentos disponíveis pelo SUS. Definimos qual o paciente vai usar de acordo com a evolução clínica dele e com a incapacidade que já apresenta. O tratamento sintomático também é importante para melhorar a qualidade de vida do paciente. Não é apenas tratar a doença para estabilizá-la, mas temos que focar no paciente e tratar os sintomas para melhorar a qualidade de vida dele”, enfatiza Fernando Elias.
Palavra de especialista
A esclerose múltipla é uma doença inflamatória, não necessariamente degenerativa, que afeta a capa de mielina – responsável pela condução nervosa e reconhecida como a substância branca do sistema nervoso. A doença se caracteriza por um acometimento em diferentes partes do cérebro e da medula espinhal e também em diferentes momentos, e assim é denominada de disseminação no tempo e no espaço, condição pela qual se estabelece o diagnóstico definitivo. Os sinais e sintomas não podem ser explicados por uma única lesão e o seu curso clínico é caracterizado mais frequentemente por surtos, seguidos de períodos de remissões.
A esclerose múltipla não é uma doença fatal e muitos pacientes levam uma vida normal. Porém a presença de novos sintomas e a somatória de antigos sintomas, além da evolução incerta, pode interferir de várias maneiras na vida do paciente. Apesar de existirem muitas dúvidas sobre a origem da esclerose múltipla, muito já se sabe sobre a imunologia da doença, o que tem possibilitado a descoberta de medicamentos que controlam sua evolução
Fonte: Paulo Diniz da Gama –professor de Neurologia da Faculdade de Medicina da PUC-SP – campus Sorocaba – responsável pelo Centro de Referência para o Tratamento da Esclerose Múltipla do Conjunto Hospitalar de Sorocaba
Memórias de um esclerosado
O cartunista Rafael Corrêa, após ser diagnosticado com esclerose múltipla em 2010, iniciou o projeto ‘Memórias de um Esclerosado’, contando em forma de história em quadrinhos como convive com a doença, suas angústias, medos, sonhos e experiências. Rafael começou a sentir sintomas da esclerose em 2008, quando tinha 32 anos. Sentia as pernas pesadas e mãos formigantes.
Para o cartunista, a principal preocupação ao descobrir a doença era se continuaria a desenhar, já que a esclerose múltipla pode afetar diversas funções do corpo, como caminhar, falar, enxergar, escrever e desenhar. “Não consigo mais ficar horas desenhando, pois chega um momento que minha mão cansa. Mas tento ter uma rotina para trabalhar e colocar as ideias no papel. Desde que fui diagnosticado com a doença, vi que precisaria botar para fora o que estava sentindo, minhas pequenas vitórias, meus medos. E o site é a concretização disso”, relata.
A esclerose na minha vida
Aproveito o espaço e o tema da matéria para contar meu relato. Isso mesmo, a jornalista Bia Mendes que lhes escreve, leitor, tem o diagnóstico de esclerose múltipla. Apesar de não aparentar nenhum tipo da doença, pelo menos não visivelmente, sou ‘esclerosada’. Recebi um diagnóstico prévio em novembro de 2015, que foi confirmado no início de 2016 e iniciei o tratamento em abril do ano passado. Minha principal queixa para procurar um médico foi em relação à visão, o que me levou ao oftalmologista e este começou a investigar e me solicitou uma ressonância magnética.
Com os exames em mão fui orientada a procurar um neurologista. Segui a orientação e me consultei com um e depois com outro neuro, além de ter mostrado a ressonância para um terceiro médico. Fiz todos os tipos de exames de sangue possíveis para descartar outras doenças, além do temido exame de líquor (uma punção lombar para retirar o líquido da medula). Ao fim, o diagnóstico foi esclerose múltipla, uma doença degenerativa do sistema nervoso central que atinge jovens – em idade produtiva – e que não tem cura. Antes de mostrar os exames para o médico já tinha pesquisado sobre tudo que estava nos laudos na internet, afinal, sou jornalista e investigar/pesquisar já faz parte do meu instinto.
Ao contrário de muitos que recebem esse diagnóstico e acham que é o fim do mundo, a primeira coisa que fiz ao sair do consultório foi me matricular na academia (frequentei por apenas três meses) e tentar melhorar meu hábitos. Apesar de iniciar com otimismo, não é sempre que estou disposta, animada e de bem com a vida. Na verdade, penso que estava em estado de choque e por isso tentei fazer diferente e iniciar bons hábitos (afinal, como assim me matricular na academia?!).
Por mais que não tenha sequelas aparentes, só a perda da visão periférica devido a neurite óptica e a tão dita e pouco entendida fadiga, até que levo a mesma vida de antes do diagnóstico, exceto pelas agulhadas – dia sim dia não – do remédio que aplico como tratamento (confesso que não sou muito disciplinada) e a série de exames que faço com uma certa frequência para controlar níveis relacionados ao fígado e outros órgãos. Acredito que a esclerose não seja o fim do mundo, mas não sei o que esperar do futuro em relação à doença e isso causa uma certa angústia, já que se trata de um moléstia bem particular e varia de indivíduo para indivíduo. Assim, tento viver um dia de cada vez, sem me preocupar com a esclerose em si (o que em muitos momentos é bastante difícil), lembrando que a vida é muito mais que uma doença e, principalmente, bem mais do que os outros pensam a respeito.