Foram necessários milhões de anos de evolução até que o homem pudesse ficar de pé, mas hoje em dia o que ele faz mesmo é permanecer sentado. Começa cedo, na mesa do café da manhã, passa para o assento do carro ou do ônibus e depois dedica-se a uma longa jornada na cadeira do escritório. O grand finale ocorre à noite, no sofá de casa, diante de uma tela qualquer. Sentar é sua posição natural. É o que ele mais faz na vida.
De uns anos para cá, no entanto, um sólido conjunto de trabalhos científicos revelou os riscos desse comportamento e fez soar o alarme entre autoridades médicas de países desenvolvidos.
A questão passou a ser encarada como um problema sério de saúde pública. Já há especialistas que definem ficar sentado como o novo cigarro. No Reino Unido, por exemplo, o Sistema Nacional de Saúde publicou recomendações oficiais com o objetivo de reduzir o tempo que os britânicos gastam em cadeiras, bancos e sofás.
Evidências preocupantes não param de surgir. Um dos estudos mais recentes, publicado em julho no European Heart Journal, apontou que o hábito de passar muitas horas sentado produz aumento do colesterol e da glicose mesmo entre pessoas que se exercitam regularmente. Vários outros trabalhos concluíram que mais horas diárias de sedentarismo — palavra que vem do termo em latim para "sentar" — correspondem a risco maior de morte.
Diante desse quadro, copiar nossa linha evolutiva e ficar ereto tornou-se uma necessidade. Começam a se multiplicar em muitos países, por exemplo, as empresas equipadas com estações de trabalho que permitem executar as tarefas de pé.
Diante desse quadro, copiar nossa linha evolutiva e ficar ereto tornou-se uma necessidade. Começam a se multiplicar em muitos países, por exemplo, as empresas equipadas com estações de trabalho que permitem executar as tarefas de pé.
O problema é que trocar uma posição pela outra não resolve o problema. O que governos e especialistas têm alertado é para a necessidade de alternar posições.
— Do ponto de vista da evolução, a natureza selecionou nosso corpo para se movimentar, para enfrentar adversidade, para se deslocar. Nos últimos 20 ou 25 anos, uma grande mudança ocorreu. Com exceção dos recém-nascidos, que ainda não sabem usar um tablet, as pessoas pararam de se mexer. O sedentarismo virou uma epidemia. Isso não quer dizer que a pessoa não pode ficar parada. Passar o dia inteiro sentado faz mal para a saúde, mas ficar sempre de pé também. O que a fisiologia ensina é que precisamos da alternância de posturas — diz Paulo Antonio Barros Oliveira, professor da UFRGS e diretor-técnico de ergonomia e organização do trabalho da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt).
Passar tempo demais sentado pode prejudicar o coração e aumentar o risco de doenças como o câncer
Todo mundo se queixa da dor nas costas, mas o desconforto na coluna parece até bobagem quando comparado a outros males provocados pelo hábito de viver sentado. Mesmo o câncer, talvez a mais temida das doenças, tem sido associado em pesquisas recentes às longas jornadas com os glúteos acomodados sobre algum assento.
Um desses estudos foi feito no ano passado, na Universidade de Regensburg, na Alemanha. A pesquisadora Daniela Schmid realizou uma análise que compreendeu 4 milhões de pessoas e 68.936 casos de câncer. Descobriu que quanto mais tempo alguém passa diante da TV ou em outras atividades que se praticam sentado, maior o risco do aparecimento de certos tumores. Cada duas horas extras na cadeira significariam risco adicional de 8% para câncer de cólon, 10% para endométrio e 6% para pulmão.
— Com base nesses achados, os programas de saúde pública deveriam encorajar as pessoas a reduzir o hábito de ver TV e o tempo que se gasta sentado. Haveria um impacto benéfico na prevenção ao câncer — diz Daniela.
Na entrevista a ZH, a pesquisadora observou que foram identificados vários mecanismos biológicos que explicariam o maior risco para sedentários, como obesidade, alterações hormonais e danos em funções celulares. Favorecidos pela rotina de ficar sentado, esses problemas são considerados possíveis gatilhos de tumores. Para quem é obrigado a passar o dia trabalhando em frente a uma mesa, Daniela sugere algumas atitudes simples:
— De tempos em tempos, recomendo levantar e fazer alguma atividade leve. Por exemplo, em vez de telefonar a um colega, caminhe até a mesa dele.
A rotina de permanecer sentado também foi associada por trabalhos científicos a males cardiovasculares. A relação foi notada já nos anos 1950, quando percebeu-se que os motoristas de ônibus de Londres tinham duas vezes mais chance de sofrer ataque cardíaco do que os auxiliares que trabalhavam de pé. Há quatro anos, outro estudo britânico indicou aumento de 147% nos problemas cardiovasculares e de 90% nas mortes provocadas por tais eventos entre as pessoas que passavam mais tempo sentadas. O médico Paulo Antonio Barros Oliveira explica esse risco cardíaco com a observação de que o simples fato de alguém se movimentar já é benéfico para o coração:
— Se eu me mexo ou caminho, a contração e distensão dos músculos ajudam a bombear o sangue. O coração tem uma exigência menor. É por isso que dizemos que a musculatura é um coração periférico.
Os riscos, no entanto, não são consensuais. O médico Pedro Pablo Komlós, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, diz que ficar sentado por um período prolongado — como em um voo intercontinental — pode causar complicações em certas pessoas, como edemas ou trombose. Mas ele não entende que o hábito esteja relacionado a situações mais graves:
— Não conheço esses estudos. É uma bobagem que não tem fundamento. Qual é o problema que ficar sentado causaria no coração? Nenhum. Em momento algum se falou seriamente que ficar sentado provocasse grandes riscos à saúde — afirma.
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