quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Independência do Chile resumo

Carga de O'Higgins.jpg
Batalha de Rancagua, por Pedro Subercaseaux

 Independência do Chile

INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa apresentar o processo de independência no Chile. Para tanto, iniciar-se-á com uma contextualização histórica do processo de independência na América Espanhola, já que basicamente os mesmos fatores influenciaram na independência de todas as colônias espanholas. Nesta contextualização citar-se-ão acontecimentos que se deram tanto dentro dos limites da América Espanhola como em outras partes do globo. Entre estes encontram-se citados a revolta de Tupac Amaru, a revolta dos Comuneros, a independência dos Estados Unidos, a independência do Haiti, a interação da América Espanhola com os Estados Unidos e a Europa e a conseqüente influência intelectual desta interação, a guerra entre Espanha e Grã-Bretanha e finalmente o domínio napoleônico na Península Ibérica.
Após esta contextualização histórica que trata das causas básica que levaram à independência da América Espanhola, passar-se-á a uma descrição do processo de independência do Chile, onde tratar-se-á do processo conhecido como Pátria Velha e também do processo definitivo de libertação do Chile a partir da luta armada chefiada pelo general San Martín.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA NA AMÉRICA ESPANHOLA
Agitações pré-independência na América espanhola e certos acontecimentos internacionais marcaram a chegada da independência na América. Entre as agitações pré-independência, pode-se dizer que, embora não muito freqüentes, desordens urbanas não eram desconhecidas. Principalmente em regiões mais isoladas, quando os interesses dos moradores espanhóis eram ameaçados, não era incomum que governadores nomeados pelo rei fossem depostos, que novos impostos fossem rejeitados ou que religiosos fossem expulsos. Todavia, vale destacar duas sérias manifestações ocorridas na América espanhola que, ocorridas antes dos movimentos de independência, certamente ficaram vivas nas mentes das gerações que conquistaram a independência hispano-americana. Tratam-se da revolta de Tupac Amaru e a revolta dos Comuneros [1].
Na década de 1770, certo líder local mudou seu sobrenome para “Tupac Amaru” que era o nome do último inca a resistir aos espanhóis. Em novembro de 1780, ele liderou um grupo que executou o corregedor local por este ter abusado da população indígena, recrutou um numeroso exército cuja maior parte de seus componentes eram indígenas e lutou contra os espanhóis. Além de ameaçar a cidade de Cuzco, chegou, por algum tempo, a dominar uma vasta extensão territorial na área do altiplano. Todavia, em maio de 1781, Tupac Amaru foi derrotado e executado. Já a revolta dos Comuneros ocorreu em Nova Granada (Colômbia) tendo se iniciado em abril de 1781. O inspetor geral de Nova Granada tinha a desaprovação geral da população por dois motivos básicos: aumento dos impostos e expansão do monopólio real. A resistência foi liderada pela vila de Socorro, centro fumageiro e têxtil. O movimento espontâneo que se formou envolveu todos os setores da população local, sendo que vilas inteiras, bem como seus conselhos municipais, se envolveram no tal movimento. Ações armadas foram praticadas pelos rebeldes que marcharam contra Bogotá. Em função da vitória dos rebeldes, o governo terminou por ceder às suas exigências. No entanto, os funcionários reais se recusaram a cumprir os termos acordados, retomaram o controle e os revoltosos começaram a debandar. Nestas duas revoltas, os rebelados insistiam em dizer-se leais ao rei e à coroa, limitando sua oposição a algumas leis específicas [2].
No âmbito internacional, a independência dos Estados Unidos certamente foi um acontecimento de grande importância no processo de influenciar a independência das colônias espanholas. Sobre este ponto, vejamos o que escreveu Pierre Chaunu:
“A revolta das treze colônias inglesas foi um dos acontecimentos que mais contribuíram para a derrubada do domínio espanhol na América. Trouxe consigo a justificação pela experiência, criou nas vizinhas da América Latina um foco revolucionário. A revolta das treze colônias eclodiu em 1776 [...] Os numerosos contatos comerciais que, apesar dos tabus do Pacto colonial, não cessavam de desenvolver entre os jovens E.U.A. e as colônias espanholas, permitiram que o exemplo americano penetrasse nas Índias” [3].
Outra agitação que, mesmo que indiretamente, certamente influenciou o processo de independência das colônias espanholas na América foi a independência do Haiti. Em 1791, a população negra escrava promove uma rebelião em massa. Neste processo, os rebelados destruíram os proprietários de plantations, além de paralisarem a industria açucareira e darem início a manobras políticas que terminaram por resultar na independência daquela colônia francesa. Outras agitações ocorriam nas Américas como prévias do que estava por vir. Ocorreram com freqüência cada vez maior entre a última década do século XVIII e a primeira década do século seguinte. A conjuração mineira é um dos exemplos destas agitações. Além das agitações, outro fator interessante foi a ida de um número cada vez maior de hispano-americanos para estudar e até mesmo passear na Europa. No exterior, ficaram expostos às grandes mudanças revolucionárias que ocorriam no velho continente [4]. Leon Pomer fala dos “escritos dos pensadores que acabaram por demolir o universo cultural e ideológico proveniente do mundo feudal”, e acrescenta que “Montesquieu, Rousseau e Voltaire [...] penetraram nos rincões mais profundos do império colonial, sem que o olho distraído do funcionário da alfândega conseguisse detectá-los entre as mercadorias com as quais se confundiam” [5]. De acordo com Lockhart e Schwartz, por si só, a situação interna da América Latina dificilmente sugeriria a iminência e sucesso rápido dos movimentos de independência política, embora estes fossem inevitáveis a longo prazo. Portanto, para se explicar o momento de independência da América Latina é necessário que se lance o olhar para os acontecimentos internacionais [6].
Além do que já foi citado, vale falar também, no âmbito internacional, das guerras entre Espanha e Grã-Bretanha de 1796 a 1808. Portugal e Espanha, nos mares e nas navegações, ficaram cada vez mais atrasados em relação à Inglaterra e França. Em função das constantes hostilidades, várias partes da América Espanhola ficaram completamente isoladas e passaram a ser abastecidas por navios estrangeiros. Cada vez mais as colônias espanholas exportavam para o norte da Europa e de lá importavam artigos manufaturados. Com a situação de guerra, o governo espanhol se viu obrigado a permitir que as colônias fossem abastecidas por navios neutros, que estes também levassem para a Europa a exportação das colônias e ainda teve de permitir que tais navios levassem à Espanha a arrecadação obtida nas colônias Latino Americanas. Em função de todos estes fatores, pode-se dizer que antes de qualquer ação para a independência política, a América espanhola já havia conquistado independência comercial em relação à metrópole [7]. Pierre Chaunu fala sobre este período e argumenta que não foi somente com a Europa que a América Espanhola negociava nesta época:
“Incapaz de fornecer às suas colônias as mercadorias de que estas necessitavam e privada de seus metais preciosos, indispensáveis à continuação da guerra, a Espanha decidiu, pelo Ato de 18 de novembro de 1797, abrir os portos americanos aos navios neutros. Esperava desse modo fazer deles os seus intermediários entre ela e as Índias. Dado o passo decisivo, não pôde mais voltar atrás. Quando, a 18 de abril de 1799, consciente do perigo, procurou anular a medida, já se criara uma situação irrevogável. A maior parte dos governadores recusou-se a fechar os respectivos portos aos navios neutros. O próprio governo espanhol não conseguiu submeter-se à regra que acabava de estabelecer [...] o Pacto colonial estava morto desde 1797 e a América espanhola aberta aos neutros. Aberta aos neutros, no caso, quer dizer, aos Estados Unidos, aos navios e à influência ianque” [8].
Ainda entre os mais importantes acontecimentos internacionais, estavam os que se deram em 1807-9, que levaram a França de Napoleão a ficar no controle de quase que a totalidade da península ibérica [9]. Sobre este momento histórico, vejamos o que diz o seguinte trecho:
“A usurpação francesa da monarquia espanhola foi o gatilho que desencadeou os movimentos coloniais de separação da Espanha [...] Como afirmou um patriota mexicano: “Napoleão Bonaparte [...] a vós a América espanhola deve a independência e a liberdade de que ela desfruta agora. Vossa espada desferiu o primeiro golpe na corrente que ligava os dois mundos” [...] quando as colônias instauraram governos autônomos em 1810, tratou-se essencialmente de uma reação ao risco aparentemente iminente de que Napoleão pudesse conquistar totalmente a Península. Seu objetivo era romper a ligação com um governo metropolitano que tinha grande probabilidade de cair totalmente sob o domínio francês” [10].
Entre outros, estes parecem ter sido os principais acontecimentos históricos que influenciaram decisivamente no processo de independência dos países Latino Americanos. Vejamos a seguir, conforme a proposta deste trabalho, como se deu o processo de independência na assim chamada Capitania Geral do Chile.
PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA NO CHILE
Um dos aspectos que marcam as guerras pela independência na América Espanhola é a luta pelo poder entre aqueles que o aspiram nas várias Capitanias Gerais. No Chile não foi diferente. Após o falecimento do Capitão Geral, em 1808, muitos conflitos vêm à tona entre as próprias autoridades coloniais. Além disso, após a ocupação da Espanha por Napoleão, surge a questão relativa a quem obedecer em uma conjuntura como a que se apresentava. Outras perguntas surgiam: ocorreria uma invasão francesa na América Espanhola? Se a Espanha continuar cativa do poder francês, a América Espanhola também deveria se submeter? Em meio a todos estes questionamentos, com a morte do Capitão Geral em 1808, assume o poder no Chile o Brigadeiro Francisco Antonio Garcia Carrasco [11]. Conforme o historiador Tulio Halperin Donghi, “no Chile, em 1808, morto o governador Muñoz de Guzmán, os nativos apóiam o comandante da guarnição, Coronel García Carrasco, contra o presidente da audiencia, conseguindo nomeá-lo governador provisório” [12].
Neste conturbado contexto, surge ainda outra situação complexa. Carlota Joaquina e o seu marido, o príncipe regente de Portugal, aproveitando-se do impasse reinante, pretendiam se tornar tutores e posteriormente senhores das colônias espanholas na América. A este respeito escreve Tulio Halperin Donghi:
“O conflito assumiu um tom político tão logo se fizeram sentir [...] as repercussões da atividade da Infanta Carlota Joaquina, irmã do rei da Espanha, a qual, desde 1808, juntamente com seu marido, o regente de Portugal, havia se refugiado no Rio de Janeiro. A princesa começara a desenvolver uma política pessoal pouco hábil e ainda menos honesta, com a finalidade de convencer os notáveis sobre a oportunidade de reconhecê-la como soberana provisória do Rio da Prata [...] Apresentava-se alternativamente como defensora do liberalismo e do velho regime, da hegemonia nativa e da espanhola, e, em 1809, conseguira grande número de adeptos, provavelmente tão sinceros quanto ela” [13].
D. A. G. Waddell fala de um almirante inglês que “abraçou com demasiado entusiasmo a pretensão da princesa Carlota, esposa do Regente português, de governar as colônias espanholas em nome de seu irmão Fernando VII” [14].
Apesar das pretensões da princesa Carlota Joaquina, o Brigadeiro Garcia Carrasco manteve-se fiel ao rei Fernando VII, reconhecendo a Junta de Sevilha como governo legal da Espanha. Outros movimentos por independência pela América Espanhola começavam a influenciar lideranças chilenas que começavam, ainda que de forma tímida, a pensar em um governo autônomo. Garcia Carrasco cometia muitos desmandos em sua administração. Por ser um militar dado a brutalidades, os ânimos se exaltaram e os conflitos entre ele e o Cabildo de Santiago se intensificaram. Ao ouvir sobre a existência de conspiradores, Garcia Carrasco ordenou punições contra líderes que pensavam em independência, entre eles Ovalle e Rojas, que eram latifundiários e Vera y Pintado, um prestigiado catedrático da universidade. Carrasco mandou-os prender em 25 de maio de 1810, ironicamente o mesmo dia em que se instalava a Primeira Junta Autônoma em Buenos Aires. Estes três personagens a pouco citados, foram posteriormente considerados como precursores do governo próprio e independente do Chile [15]. T. H. Donghi fala ainda de uma situação (que talvez se refira à mesma a pouco citada) em que “Garcia Carrasco terminará por se libertar de seus incômodos conselheiros, os quais [...] haviam modificado a estrutura do cabildo de Santiago, com o objetivo de afirmar por esse meio a própria autoridade e garantir o predomínio numérico dos nativos” [16].
A prisão de Ovalle, Rojas e Vera y Pintado, produziu o descontentamento tanto da elite economicamente poderosa, como do alto clero do Chile. Notícias dos acontecimentos que se davam em Buenos Aires bem como os que se sucediam na Espanha levaram as duas mais poderosas instituições coloniais, a Audiência e o Cabildo, a adotarem posições contrárias, sendo que o Cabildo cada vez mais se torna porta voz dos ideais de independência [17]. T. H. Donghi relata que “o governador, a audiência, o cabildo continuam a lutar encarniçadamente, ao mesmo tempo em que a estrutura do instituto monárquico espanhol salta aos pedaços” [18].
Após ferozes agitações da aristocracia chilena contra Garcia Carrasco, em função de sua perseguição às pessoas acima citadas, em 18 de setembro de 1810 se forma a Primeira Junta Nacional de Governo. Era composta por nove membros, sendo de caráter provisório e com a decisão de governar em nome “do mais adorável monarca Fernando”. Em sua maioria, foi formada pelos homens economicamente mais poderosos. Entre seus atos, encontram-se alguns de maior expressão: em primeiro lugar, prestou solidariedade a Buenos Aires que a esta altura estava em luta armada contra realistas de Montevidéu, Paraguai e Alto Peru; em segundo lugar, rejeitou a indicação de dois nomes para o cargo de Capitão Geral, nomes estes proferidos pelo Conselho de Regência instalado na Península Ibérica; em terceiro lugar, reiterou o seu direito de governar; em quarto lugar, a Junta liberou o comércio exterior. Esta última iniciativa da Junta Nacional abriu as portas de saída do Chile para a exportação da produção nacional e também abriu as portas de entrada para a chegada de manufaturas de outros países [19].
L. Pomer cita um levante militar em favor dos realistas que não alcançou êxito. Como conseqüência houve a dissolução da audiência. A esse respeito, T. H. Donghi escreve que “Em abril de 1811, uma conspiração monárquica foi duramente reprimida, com execuções, dissolução da audiencia hostil à nova ordem e a expulsão de altos funcionários” [20].
Um dos personagens mais importantes no processo de independência do Chile foi José Miguel Carrera. Na verdade, pode-se dizer dele como o mais veemente líder da primeira etapa da independência chilena. Quando dos acontecimentos do ano 10, Carrera encontrava-se na Espanha. Ainda muito jovem, ou seja, com 25 anos, retorna da Espanha e torna-se chefe da revolução. Apesar de sua pouca idade, Carrera desfrutava de um não pequeno prestígio. A 4 de setembro de 1811, Carrera impõe ao Congresso muitas exigências, entre as quais podemos citar as seguintes: organização de uma Junta composta por cinco membros; alterações nos comandos militares; separação de deputados; inclusão de outros deputados. O Congresso, além de estar dividido em três tendências distintas, estava muito longe de ser eficaz na execução de objetivos audaciosos. Com o golpe conduzido por Carrera, o Congresso passa a ser dominado por uma tendência mais radical. A partir desta tendência, algumas reformas foram introduzidas, entre as quais podem ser listadas as seguintes: reformas na justiça; reformas no exército; reforma em relação às rendas eclesiásticas; proibição da vinda de escravos; liberdade para os filhos que, a partir daquele momento, nascessem de mães escravas [21]. Sobre este momento da história chilena, vejamos o que escreveu T. H. Donghi:
“[...] a revolução criava suas instituições: uma Assembléia nacional controlada, primeiro, pelos radicais, e, depois, pelos moderados, que contavam com o apoio velado dos monárquicos presentes na Assembléia entre os deputados de Santiago. A vitória da tendência radical foi assegurada pelo golpe militar dirigido por José Miguel Carrera, jovem oficial que há pouco regressara da Espanha. Essa tendência radical era representada por algumas grandes famílias de Santiago, proprietárias de grandes latifúndios, e por uma clientela de funcionários do velho regime, cujas posições se haviam radicalizado a partir do reformismo iluminista. Entre eles, destacava-se Bernardo O’Higgins, filho natural de um vice-rei do Peru, grande proprietário e funcionário progressista no Chile meridional [...] Liberta da resistência oposta pelos moderados, a Assembléia dedicou-se com pressa à constituição de um Estado dotado de estruturas modernas: reforma burocrática e judiciária, supressão efetiva da Inquisição, abolição da escravatura, etc” [22].
No meio de todo este tumultuado processo, os senhores Salas e Egaña receberam o encargo de redigir uma Constituição para o Chile. Neste ínterim, José Miguel Carrera busca confirmar-se no poder, e, para tal, busca se desfazer de Martinez de Rozas, um dos mais importantes líderes civis de um movimento em crescimento. Rozas exercia grande influência na província de Concepción, a qual terminou por ser subjugada por Carrera [23]. T. H. Donghi acrescenta que
“Esse radicalismo, solidamente dominado pela aristocracia de Santiago e por um grupo de insignes administradores, parecia deixar muito pouco espaço ao líder que lhe trouxera a vitória. Em novembro, uma nova revolução militar implantou a ditadura de Carrera. Também ele fazia parte da aristocracia latifundiária e buscava apoio entre forças menos atrasadas, como o exército, a plebe urbana, etc” [24].
Um importante instrumento que promoveu uma muito eficiente propaganda em favor da independência, foi o surgimento do primeiro jornal chileno, denominado de Aurora de Chile. Esse jornal era dirigido por um sacerdote chamado Camilo Henríquez. Toda essa divulgação contava com a resistência dos que no Congresso haviam militado no grupo dos moderados [25]. T. H. Donghi também afirma que “A propaganda revolucionária se fez intensa”. Ele acrescenta a informação de que “a primeira tipografia chilena, introduzida por um comerciante norte-americano simpatizante da revolução, seria utilizada predominantemente para a difusão do novo evangelho político” [26].
José Miguel Carrera tinha dois irmãos também muito envolvidos em todo esse movimento. Carrera e seus irmãos chegaram a se distanciar em função de desavenças. Neste momento, entra em cena Robert Poinsett, recém-creditado cônsul pelos Estados Unidos. Ele faz a mediação entre Carrera e seus irmãos, bem como se torna uma espécie de conselheiro no processo. Participa também da redação do regulamento constitucional de 1812. Entre as características de tal regulamento destacam-se: o reconhecimento da soberania popular; a proibição à obediência e submissão a qualquer autoridade que residisse fora dos territórios chilenos; a garantia de liberdade de imprensa; a garantia de liberdade individual; a abertura do território chileno aos estrangeiros; a criação de um Senado no qual houvesse representação igual das três províncias em que o Chile estava dividido; a proclamação da igualdade de todos os habitantes. O governo chileno estava constituído por um triunvirato encabeçado por Carrera. Todavia, as ações de tal governo não estavam regulamentadas e nem amparadas legalmente. Este regulamento escrito em 1812 veio a tornar-se essa norma [27].
Todo esse movimento inicial pela independência seria, no entanto, duramente atacado. O vice-rei Abascal estava determinado a submeter à Espanha não somente o Chile, mas também a região de Buenos Aires. Para tanto, um forte exército é enviado para o sul, a partir do Peru. Em Montevidéu também existiam forças que se mantinham leais à Coroa Espanhola. O propósito de Abascal era o de unir as suas forças às forças de Montevidéu. O movimento chileno pela independência estava cercado por todos os lados. Além do intento do vice-rei Abascal, no sul do Chile, em Chiloé, uma base que os realistas haviam mantido, foi organizado um outro exército com a finalidade de participar da reconquista dos territórios e do poder perdidos. Os ventos começaram a soprar contrários aos movimentos de independência: Os adeptos da independência latino americana sofreram derrotas somadas a um certo declínio dos movimentos no México, Colômbia e Venezuela; os espanhóis dominavam o sul do Chile; noticias que chegavam da Europa davam conta de derrotas sofridas pelos exércitos de Napoleão [28]. T. L. Donghi acrescenta ainda
“No inicio de 1813, tropas do Peru desembarcam no Chile meridional, onde o novo regime jamais fora reconhecido, e iniciam a luta contra a revolução. Essa, para se defender, cerra fileiras; mas é derrotada no assédio de Chillán, convertida em fortaleza monárquica; com a queda de Talca, o movimento chileno redescobriu a sua tendência moderada e, em Lircay, tenta a reconciliação com o invasor” [29].
Conforme termina a nota citada, em 3 de maio de 1814 assinou-se um acordo às margens do rio Lircay. Tal acordo foi mediado por um comodoro inglês chamado Hillyas. Neste acordo, o governo chileno de Santiago reconheceu a autoridade do rei Fernando VII e ainda se comprometeu a enviar representantes às Cortes espanholas. Para muitos chilenos este acordo foi algo humilhante. Entre os que se sentiram humilhados estava José Miguel Carrera. Neste tempo, Carrera era prisioneiro dos espanhóis. Todavia, Carrera conseguiu fugir da prisão dirigindo-se até Santiago. Nesta capital, Carrera é conduzido ao poder a partir de uma sublevação de tropas, vindo a encabeçar uma Junta com três componentes [30]. Narrando os mesmos eventos, T. L. Donghi relata que “José Miguel Carrera conseguiu fugir do cárcere, onde fora colocado pelos monárquicos, e, mediante um golpe militar, expulsou Lastra de Santiago (Lastra era o ditador moderado), organizando uma encarniçada resistência” [31]. O tratado de Lircay havia sido negociado pelo brigadeiro Gainza, representando o vice-rei Abascal. Todavia, Abascal não ficou nada satisfeito com os termos do tratado de Lircay, desconhecendo sua validade. A seguir, Abascal se propôs a por fim definitivamente a todas as posições em favor da independência. O general Osório foi o enviado para a consecução de tal objetivo e em 5 de outubro de 1814 suas tropas entravam vitoriosas na cidade de Santiago. Desta forma, terminou a etapa inicial, conhecida como Pátria Velha, das lutas pela independência do Chile [32]. T. H. Donghi traz mais alguns detalhes relevantes:
“Em 1° de outubro de 1814, O’Higgins é derrotado pelos monárquicos em Rancagua, enquanto Carrera se mantinha na retaguarda. O general monárquico Osório entra em Santiago e os revolucionários mais conhecidos fogem para Mendoza, além da Cordilheira, onde podiam prosseguir com maior calma as próprias lutas internas. Diante de Carrera e dos seus irmãos, líderes das tendências mais radicais, O’Higgins chefiava uma nova ala de moderados, ligados à causa revolucionária, mas decididos a controlar seu desenvolvimento. Nessa época, não parecia que essas lutas viessem a ter – como efetivamente ocorreu – um peso no futuro do Chile” [33].
Muitas tentativas foram feitas no sentido de ferir o centro de poder espanhol no Peru. Como todas elas fracassaram, o general argentino San Martín idealizou um plano. Este consistia em organizar um exército na província de Mendoza, passar pelo Chile libertando-o, e de lá dirigir-se ao Peru. Tudo saiu como o planejado, tanto que é uma das maiores epopéias das guerras pela independência da América do Sul. Partindo de Mendoza em 9 de janeiro de 1817, o exército iniciou a marcha vitoriosa que, no final de janeiro já estava em território chileno. Duas vitórias decisivas marcaram este processo no Chile, a batalha de Chacabuco e a batalha de Maipú. Estas vitórias destroem definitivamente a ala dos realistas com a entrada triunfal das tropas vitoriosas em Santiago no dia 14 de fevereiro de 1817. O Cabildo da cidade de Santiago oferece a San Martín a função de governador com plenos poderes. Este rejeita a oferta e o Cabildo designa então, para a função, a Bernardo O’Higgins. No dia 12 de fevereiro de 1818, ao se completar um ano da batalha de Chacabuco, o Chile proclama sua independência [34]. Falando sobre este momento de independência definitiva do Chile, T. L. Donghi diz que
“No empreendimento chileno de San Martín [...] No início de 1817, podia-se começar o avanço através da cordilheira em direção ao Chile: 3 000 homens estavam empenhados no empreendimento. Em 12 de fevereiro, a vitória de Chacabuco abria caminho para Santiago, onde O’Higgins foi nomeado dirigente supremo da república chilena; em março, a derrota de Cancha Rayada pôs em perigo o sucesso já obtido, mas, em abril, a vitória de Maipu salvara a situação, embora a resistência dos legitimistas no Chile meridional durasse ainda alguns anos. A nova república devia recolher uma pesada herança facciosa, transmitida pela pátria vieja, e haveria de continuar marcada por aquele autoritarismo frio e sem paixão que era uma versão guerreira da tradição de governo do Iluminismo espanhol. Para restabelecer a unidade interna, o frio e imparcial O’Higgins considerou um dever a eliminação de Manuel Rodríguez, o herói guerrilheiro da libertação do Chile, obstinadamente fiel à política de Carrera. Com os dissidentes e, ainda mais decididamente, com os legitimistas, a revolução adotou uma política análoga àquela desenvolvida pela reação que derrotara: cárcere, confisco de bens, processos intermináveis, etc” [35].
Vale acrescentar que O’Higgins havia morado vários anos na Inglaterra. Estava no Chile desde 1802, tendo lutado ativamente contra os realistas a partir de 1810. Com a derrota da Pátria Velha, O’Higgins estava entre os que haviam fugido para a província Argentina de Mendoza, local onde conheceu o general José de San Martín. Bernardo O’Higgins foi Diretor Supremo do Chile de 16 de fevereiro de 1817 a 28 de janeiro de 1823. Até hoje é considerado um dos heróis nacionais do Chile [36].
Concluindo, é interessante destacar ainda que Celso Furtado, em seu livro A economia latino americana: formação histórica e problemas contemporâneos, fala sobre a vantagem do Chile, logo após o processo de independência, sobre os outros países latino-americanos em questões econômicas. Enquanto as demais ex-colônias espanholas, nos trinta ou quarenta anos seguintes às independências, tiveram enormes dificuldades para comercializarem com o exterior, o Chile foi uma interessante exceção. Uma conjunção de fatores contribuiu para tal quadro. Primeiramente, os dirigentes chilenos não foram vítimas de grandes conflitos internos, sendo que no Chile pode-se desfrutar de um sistema de poder mais estável, principalmente a partir da Constituição de Portales, de 1833. O sistema de poder daí resultante, de base oligárquica, conseguiu se manter de forma estável até o final do século XIX. Além disso, na época da descoberta do ouro tanto na Califórnia como na Austrália, o Chile pode comercializar com estes locais o seu excedente agrícola, principalmente de trigo, aproveitando-se inclusive de sua posição geográfica privilegiada e estratégica na zona do Pacífico. Ainda segundo Celso Furtado, o Chile era também, o país com maior potencial agrícola e com maior tradição exportadora nesse setor, dentre os países latino-americanos da região do Pacífico. Além disso, nenhum país da costa atlântica, inclusive aqueles que não figuravam entre os latino-americanos, podia concorrer com o Chile, principalmente diante das condições de transporte disponíveis naquele momento histórico [37].
CONCLUSÃO
Quando se estuda o processo de colonização da América Latina, um dos aspectos que mais saltam aos olhos é a espoliação, a extração, a exploração a que este território foi submetido. Tudo isso realizado por aqueles povos que eram supostamente os mais desenvolvidos e civilizados da época. Os Europeus chegaram às Américas se apoderando de uma terra que já tinha dono. Estes donos da terra não só não foram respeitados, como foram, direta ou indiretamente, dizimados em grande quantidade. O objetivo dos europeus não era outro senão basicamente explorar as riquezas naturais desta terra. Com o passar dos anos, os próprios colonizadores que chegaram ao novo continente, bem como seus descendentes, começaram a se incomodar com as exigências da metrópole, principalmente em função do Pacto Colonial e o monopólio radical. Além disso, havia a insatisfação dos nativos e mestiços que também eram duramente explorados. A escravidão era algo que também incomodava a muitos. Era uma questão de tempo. Assim como em vários momentos da história, essa tirania seria vencida. Para a América Espanhola, alguns fatores internacionais ajudaram a acelerar este processo. Depois de muitas batalhas e até mesmo muitas mortes, a América se tornou independente.
A partir da conquista da independência política, a América passou a enfrentar ou continuou a enfrentar muitos problemas que se colocavam como obstáculos para o seu crescimento. Entre estes se destacam a instabilidade política bem como o atraso econômico. Estes problemas terminaram por fazer da América Latina uma presa fácil tanto para os Europeus, como principalmente para os norte-americanos. Em um certo sentido, a América continuava dependente. Por tudo isso, uma pergunta incômoda continua ecoando para a reflexão de todos: apesar da independência política, a América se tornou efetivamente livre? Se houver sinceridade na resposta, certamente esta será negativa.
Fonte: fontehistorica.wordpress.com.br

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